PARTE 1
Seth tinha
1,80m e 82 kg. Seus cabelos eram negros e olhos azuis. Era branco. Seu rosto
não tinha uma marca tampouco rugas.
Quando
o avistei, ele estava com sua altura típica, mas, pesava 60 kg. Seus cabelos,
os que sobraram em sua cabeça, estavam fracos e fedidos. Sua pele, pálida,
disputava com a de seu avô. Seth tinha 38 anos. Olhei e com olhos marejados,
fiz um esforço para não desabar e vomitar.
Lembrei
de quando estávamos na Irlanda, e fomos à Belfast. Fomos à Dublin. Foi
maravilhoso. Nunca tive a chance de agradecê-lo, por essa viagem.
Certa
vez, indagado sobre qual viagem fincava em sua memória, Seth mencionou a nossa
ida às Falésias de Moher na Irlanda. Perto do Atlântico. Fantástico.
Seth
e eu ficávamos sorvendo benzina e traduzindo Joyce. “Ulisses”, era a nossa favorita.
Entretanto de tanto cheirar, não entendíamos uma só palavra. Ah!
Ah! Ah! Aquilo era
ótimo. Dois jovens lendo Joyce, entorpecidos, na Irlanda.
E
agora... Bem, agora, eu estava diante desse mesmo jovem. Em vez de benzina,
AZTs da vida. Em vez de Joyce, bíblia debaixo do braço. Em vez de Irlanda, sua
mal cheirosa e dura cama. Abracei-o tão forte que pensei que ia quebrá-lo.
Queria envolvê-lo de força e vida, mas, a impotência humana cercava-me. Seu avô
serviu-me um chá de ervas pretas. A cada gole, uma idéia para livrá-lo dali. Eu
não conseguia. Eu não conseguia...
Seth
olhou-me com raiva, não de mim, mas de tudo que estava em sua volta. Ele sabia
que sua morte era questão de tempo. Seth nunca foi um exemplo de otimismo e
força. E eu sabia disso. Queria conversar, contudo não sabia que rumo tomar.
Seth me perguntou:
-
Lenny, você pode pegar meu cigarro ali em cima do criado-mudo?
-
Claro! – respondi.
Seth
acendeu um “Mild Seven” legítimo, olhou-me e soltou a fumaça. Aproximou-se da
janela e apontou para um rio distante que aos poucos estava secando. Disse-me
que acompanhou esse rio daquela janela durante esse tempo e não suportava mais.
Ele nem ia vê-lo secar. Fiquei mudo. Apenas acompanhava-o. Seu avô nos deixou
sozinhos.
Conversamos
durante horas, choramos muito e nos abraçávamos também. Seth reclamava muito de
cansaço. Durante uma ida minha ao banheiro, Seth adormecera. Achei melhor ir
embora. Despedi-me de seu avô e parti.
Na volta pra casa,
pensei muito em Seth. Fumei um cigarro e sentei-me num banco. Fiquei observando
as pessoas. Gostava muito de fazer isso quando estava triste. Era como se eu
saísse da brincadeira e deixasse os
outros assumirem daquele ponto, entende? Fumei três cigarros e me dirigi até a
um pub perto dali. Precisava de um “scotch” puro.
Uma
mulher aproximou-se de mim no pub e perguntou se eu queria companhia. Disse que
mais tarde, poderia ser. Queria ficar um pouco sozinho.
Tomei
dois “scotch” puros e observei alguns casais alegres e bonitos que estavam na
mesa ao lado. Quanta inveja! O amor de uma mulher e de um homem ali, sem
mentiras. Certamente, eles iam terminar a noite bem melhor do que eu. Chamei
aquela dama da noite que me abordara antes, servi um drinque a ela e fomos para
minha casa.
Transamos
feito dois animais. Dissemos baixaria um pro outro. Ela me fez carinho e
massageou meu pescoço. Anita. Chamava-se Anita. Mulher madura, mãos de ouro e
coração idem. Encheu-me de dengos para dormir. Tomamos um conhaque e dormimos.
Acordei
de madrugada ainda, pensativo, pelado e tenso. Olhei para aquela dama dormindo
profundamente ao meu lado. Pensei:
-
Como é que ela conseguia dormir tão tranqüila e calma?
-
Ela simplesmente trepou comigo e nem se dava ao luxo de pensar ou refletir?
Fumei
um baseado e minha mente só pensava em Steph. Solidão entrara porta adentro. Eu
não chorava há anos. Poeira invadira meu carpete. Logo ia amanhecer, e eu não
tinha nenhum motivo para levantar ou viver. Amei muito nessa vida. Quantas
mulheres moraram no meu peito! Quantas por um dia, por um mês, por uma vida...
Ilusão
estampara em minha face.
Anita
acordou com uma fragrância tão doce e leve. Levantou, tomou uma chuveirada e me
beijou. Amou-me mais uma vez e foi embora.
Como
eu queria casar naquele instante com aquela mulher infiel! Desejei Anita ali todos
os dias... Anita... Mulher de corpo formoso, ruiva, branca como neve, tez de
lua, lábios carnudos e rosados, seios fartos e quadril envolvente.
Levantei
e fui buscar um resto de bebida. Lembrei-me que o Jornal me esperava. Fiquei de
escrever uma matéria importante sobre comportamento numa cidade ali perto de
Londres. Eu estava de férias, mas, tinha prometido voltar com uma matéria de
capa. Arrumei minha mala, coloquei pilhas, o gravador, canetas e papéis na
bolsa de colo. Peguei um mapa e meu cigarro e fui tomar um café numa rotisserie
perto dali.
Precisava
partir o mais cedo possível, pois, não queria dormir fora de Londres.
Peguei
um trem para Birmingham. Sentei e olhei
para o vasto vale lá fora.
Trem em movimento,
minha mente mais ainda. Ela estava à milhas de distância
daquele trem. Lembrei da minha infância. De como eu era inatingível.
Não corria perigo, a vida era uma festa, meu coração abrigava mais de uma
lembrança. Solidão vivia pelos livros, pelos filmes e eu vibrava com aquela
novidade.
A
vida era um circo. Você assistia todo aquele perigo, mas, de longe. Sem correr
o risco, sem precisar se envolver diariamente com os perigos...
Tudo
era como em um musical. Até os riscos eram envoltos de música, dando a
impressão de uma segurança no final. Amor era pura ousadia.
Meus
pensamentos foram atrapalhados por uma confusão no vagão de trás.
Uma
mulher não se sentia bem e insistia em deixar o trem. Uma figura estranha e um
tanto quanto paranoica. Comecei a realizar outra mania minha: imaginar uma vida
para aquela pessoa desconhecida. Imaginei que se tratava de uma senhorita
cansada de sua vidinha chata ao lado do seu infiel e desatento marido.
Ela
queria fugir com um rústico forasteiro, que conheceu em um baile singelo e
inocente, mas, ele diferentemente do baile, sacana, a estuprou e deixou-a deitada, nua e apaixonada atrás de
uma fábrica. A mulher desde então, sonhava com este animal-homem todas as
noites. O vômito era decorrente da precoce gravidez adquirida da única vez que
gozou em sua vida. E a insistência em sair do trem, era o medo inerente que
ainda a acompanhava desde o começo de sua vida. A herança maldita e insossa
deixada por seus pais.
No
fundo, tocava uma canção do The Mamas and The Papas... Típico da dona de casa,
enrustida, rebelde e impotente.
E
lá estava eu indo de encontro à Birmingham. Olhos fitados na paisagem e no
ofuscar dos verdes das pastagens e cinzas das fumaças. Lembrei-me de um romance
lido há tempos sobre o caso entre um soldado e uma meretriz do outro lado da
guerra. Era um tema mais que batido, eu sei...Entretanto veio-me sem a menor
permissão. Nessa hora minha mente lembrou de Seth. Até quando ele iria
suportar? Até quando ele iria acordar e dizer para si que ainda valia a pena
viver? Que ainda era válido alimentar-se, respirar, descansar...Viver? Eu nem
queria atrever-me a tais indagações.
Segue...