quinta-feira, 3 de maio de 2018

Pauta de Hoje: Dois contos e uma promessa!


Passei abril todo sem colocar nada de novo. Ugh! Eu vos digo: trampo, trampo e mais trampo. Ao mesmo tempo os programas na Vinil FM consomem minha cabeça também. Aliás: prometo colocar ainda esse mês (maio) dois "podcasts" com uma banda cada que rolou em "Discos Que Amamos". Podem cobrar!!

Mas, aproveito o espaço para colocar dois contos meus (publicados em 2010) para degustação de vocês. Caso gostem terei imenso prazer em conversar mais sobre (literatura) nas redes sociais e "in loco". Acreditem! Aprecio o papo, um papo e muitos papos. Pessoalmente então... 



CABELO


Caminhando até a mais próxima barbearia avisto que o salão está lotado. Embora não seja “aquele lotado” que você imagina. O salão só tem três cadeiras ocupadas e três barbeiros trabalhando. Lotado! Entendeu?  Sento numa dessas cadeirinhas vagabundas de boteco para esperar minha vez. Na verdade, eu corto com qualquer um. Não tenho preferência. Ao meu lado um senhor com uma pinta de malandro, palito ao canto da boca, chapéu pro lado falando ao celular. Ele fala de modo alto e autoritário. Todos escutam um pouco da conversa. Impossível não participar. Ao que me parece o senhor é militar. O papo sempre termina em ordens suas e palavrões. Sujeito folgado e anacrônico. Certa altura do campeonato eu pensei que fosse “surgir” Nélson Gonçalves ou o “Madame Satã” de algum lugar... Voltaríamos no tempo da velha Lapa, com aquela cerveja gelada mas, morosa, morenas lascivas ao lado e a velha briga de bar. Alguém mexe ou esbarra no outro e uma navalha é puxada na briga. Um homem estiloso observa tudo e a todos pelo outro lado do balcão, manja? O bigode simetricamente cortado e aparado no fio da navalha. Não do brigão, claro! Mas, do barbeiro autor. Tudo isso se passou na minha cabeça escutando aquele senhor ao telefone enquanto aguardava minha vez de cortar o cabelo. Ahhh... Que monotonia... Um cair da tarde sem sol ou chuva, mas abafado. Observei bem os três barbeiros e notei (fiquei “expert” no assunto) que o “trabalho” estava na metade. Ou seja: passariam mais sete minutos. Faltavam o pé, o lado e um pouco em cima na maioria dos cortes. Nunca fui barbeiro, mas todo homem sabe (eu acho) o quanto vai demorar... Passam duas mocinhas e nós todos (inclusos os três barbeiros) esticamo-nos todos para olhar. Tratavam-se de duas raparigas de fino trato com cabelos molhados e cheirosos. Cheiravam alfazema. Aquele bálsamo feminino e delicado permanece no ar. Que beleza!!! Esquecemos por um ou dois minutos a espera chata do corte. Atrás desse senhor havia um sinal e um veículo teimava em não andar. Uma buzina insistente atormentava-nos. Incomodava a mim, aos barbeiros e ao senhor ao telefone. O carro andou, finalmente, empurrados por nós, acredito. Já não era sem tempo. O silêncio vale ouro. Já não bastava o falante militar ao telefone? O barbeiro da preferência desse senhor termina e finalmente ele desliga (celular) e vai cortar seu cabelo. Ainda bem! Sinceramente, incomoda-me demais conversas alheias. E esse, em especial, era um tremendo chato. Um bocejo contagiante apareceu e mais dois, além de mim, abriram a boca. Tava muito chato... No banquinho dentro do salão haviam duas revistas masculinas e outras mais de fofocas. Além de um jornaleco bem fuleiro. Não adiantava... Nada era cool para entreter... Dez minutos passaram e vagaram dois lugares. Era minha vez... Hunf!



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NAQUELA TARDE


Assim que caiu o sol naquela tarde eu percebi que a vida abreviava mais um dia para mim. As pessoas transeuntes e despreocupadas não me encaravam. Em minha cabeça vagava uma singela canção de amor... Talvez o vento me inspirara... Talvez... As calçadas brilhavam devida chuva de outrora e pneus acelerados que passavam. Aduzia que o espectro meu clamava por cor. Minha alma estava intacta, porém habitava o vazio. Eu nem saberia descrever se era solidão, demência ou sono. De repente: todos! Me lembro que acendi um cigarro mesmo contra vontade do, ainda, vento. Senão me engano era outono de mil novecentos e setenta e nove. Andei adiante em direção à praia. O cheiro de maresia chamou minha atenção. Ao chegar observei uma agitação em torno de um músico de rua... Ele tocava algo parecido com John Coltrane. “Ahhhhh... Que som bom!!!” – pensei. Fiquei ali durante tempo considerável. O suficiente para encher mais e mais o local. Na minha frente, bem ali na minha frente, havia uma mulher. Uma morena vestida de maneira simples. Um vestido bege e sandália branca. Algo adornava seu cabelo, não sei... Um rosto lindo e sincero. Ela curtia todas as canções. Nem percebeu que eu a fitava. Tossia entre um verso e outro. Parecia resfriada. Mas, cada espirro, cada tosse e assoar de nariz me conquistava amiúde... Percebeu que dividia minha atenção com a música. Meus ouvidos e nariz flagravam cada som daquele músico de rua, porém meus olhos e boca não conseguiam desviar do corpo e jeito daquela menina. Ela sacou algo parecido com uma echarpe. E um pequeno casaco azul claro de renda. Bem confortável... Queria eu provê-la de calor e bem estar. Um acalanto febril, algo tenro. Estava eu há tempos, semanas, meses, sozinho. Deitava-me em minha cama de casal espaço de sobra. Ali apenas prostitutas, ultimamente, haviam dormido. Incomodava-me muito que meus últimos atos fossem esses. Não tinha fechado-me para nada. Achei que estava muito claro isso. Todavia era o que passara-se nas últimas semanas. E, estava ali uma chance (ou não) de começar a mudar essa rotina. Fiquei auspicioso, porém ao mesmo tempo, tenso.  Agora; o que fazia ela àquela hora? Será que estava triste? Alegre? Separada? Eu não fazia ideia. Será que tinha família? Foi apenas dar um passeio pela orla e voltaria? Inúmeras hipóteses circularam na minha cabeça durante a apresentação do músico. Não era do meu feitio toda essa insegurança e questionamentos assim. Tamanha precipitação sem ter, ao menos, falado com ela. O pouco tempo que pude observar sua postura, seus movimentos, sua expressão corporal nada haviam dito-me sobre. Nem se estava aberta a diálogos. Ela apenas ouvia, sorria e curtia. Decerto que já tinha reparado em mim... Mencionei já. Contudo, nada significante. Eu precisava fazer mais, bem mais... Embora nada tenha feito. A cada acorde eu enchia-me de coragem, porém o som estava mui agradável. Começou a ventar com mais força... A noite entrara. De repente, o músico começou a brincar com as notas e tirou um sorriso lindo dela. Eu sorri junto. Ela desviou brevemente seu olhar em minha direção. Insisti no sorriso. Não devolveu a gentileza, contudo aceitou o acaso. Um leve rubor em sua tez. Ela tomou impulso e deixou uma nota para a canção dentro do chapéu do tocante. Afastou-se timidamente e virou-se... Ali, percebi que eu poderia viver uma nova história com ela. Nada sabia... Nem nome, endereço, idade ou preferências... Absolutamente nada. Assim começam grandes histórias. Porém essa nem chegou a começar...

(Leozito Rock)