sexta-feira, 20 de março de 2020

Pauta de Hoje: Miles Davis 1926 - 1991




MILES DAVIS 1926 - 1991





Essa história começa, provavelmente, na década de oitenta. Bem possível. Numa dessas reportagens na televisão (sim, nos anos oitenta a TV tinha uma força inigualável) e eu deparei-me com a figura assustadora de Miles Davis. Óculos coloridos, jaqueta sóbria, suor no rosto e um par de olhos ESBUGALHADOS (sim... O Caps Lock aqui faz-se extremamente necessário). Um louco varrido. Uma figura estranhíssima pra mim. Eu só tinha ficado assustado assim com a figura do Ney Matogrosso no final dos anos setenta. Mas, eram situações e pessoas distintas. Bem... Consumir Miles Davis demorou um pouco mais. Dificilmente uma família põe na mesa um jazz. Na minha época era MPB, trilhas italianas e francesas e alguns clássicos do rock sessentista. Porém, eu era rato de rádio. Peguei um pouco da "disco" e do "new wave" (até mesmo o "no wave") que chegava nas ondas das FMs. Preciso ressaltar que o meu grande amor foi o pós-punk e punk. Foram os propulsores de tudo que sucedeu-se após. Mas, essa é outra história. 

Eu já tinha ouvido falar em Charlie Parker, Duke Ellington, Dizzy Gillespie, John Coltrane, Chet Baker, Charles Mingus, Ron Carter, etc... Miles Davis era algo que sempre rodeava os lugares que eu trafegava. Fosse através de uma trilha sonora ou filme e até coleções de vinis de amigos (mais velhos do que eu) e de dois tios. Quando decidi render-me ao trompetista cool do jazz comecei pelo clássico imane: "Kind Of Blue" (1959). Ouvi e chapei numa tarde dos anos oitenta. Eu não tinha "background" musical para absorver tudo aquilo, porém o som pegou-me de um jeito fora do comum. Lembro-me de ouvir "So What" no início e o baixo de Paul Chambers era tudo que eu precisava ouvir. Era chapante! Era foda! Ao mesmo tempo que a minha mente girava e aguçava meus instintos e ideias. Miles Davis remetia-me a grandes filmes. grandes películas "noir"... Essas coisas... Em suma: fui iniciado ou como dizem os mineiros: aplicado em Miles...rs

Miles nasceu nos EUA em 1926. Numa cidade pequena em Illinois. Época perigosa financeiramente falando. Três anos antes da quebra da Bolsa. Contudo, a família de Davis era abastada. Muita gente não sabe disso. Miles sempre foi privilegiado economicamente. Estudou em boas escolas e teve acesso à música logo cedo. Tornar-se músico era esperado. Sua mãe era uma pianista exímia de blues. Mas, Miles preferiu o trompete. E assim foi aprendendo e evoluindo. Em 1944, conseguiu uma vaga na banda de Parker e Gillespie por sorte. Um músico havia adoecido e ele aproveitou. A partir daí o trompetista seguiu carreira. Revezes físicos eram comuns em sua carreira: teve um tumor em sua garganta. Isso deixou sua voz rouca e fraca. Até o fim de sua vida ele conviveria com esse incômodo. O pior é que as pessoas que estavam em seu entorno debochavam do som de sua voz. Outro evento doloroso em sua vida foi um acidente de carro ele sofreu. Era de madrugada e Miles estava transtornado de cocaína e álcool quando ele perdeu o controle do carro. Quase morreu. Davis ficou quase três meses em coma e isso rendeu uma dor no quadril incurável. Miles foi ficando mais amargo. Em uma biografia ele narra vários desses revezes e como isso afetou sua confiança e amargura em relação a vida e as pessoas. Nessa época o álcool, cigarro e drogas ilícitas já eram realidades em seu cotidiano. O músico tocava sem parar e usava quantidades grandes de opiáceos e afins para aliviar as dores. Importante dizer que os ensaios com ele eram puro improvisos. MESMO. Todos os músicos que o acompanharam diziam que não havia pauta ou prévia. Ele pedia que o músico tocasse e sentisse o ritmo. Gravou assim diversos álbuns e shows. No improviso. E, todos admiravam-no imensamente. Apesar de ter um gênio forte e bravo reuniu a nata do jazz em sua companhia. Basta dizer que tocaram com ele: John Coltrane, Ron Carter, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Tony Williams, Paul Chambers e mais tarde Gil Evans... Só fera! Todos gravaram e excursionaram em sua banda. 



Mas, pra todo gênio há seu lado sombrio... E, o dele era muito sombrio. Por conta de uma educação careta e religiosa, Miles era machista e abusivo. Sua primeira mulher, Frances Taylor, apanhou mais de uma vez devido a ciúmes infundados de Miles. Ele não admitia a carreira da mulher. Frances era uma extraordinária bailarina e muito cobiçada por homens na época. Ele chegou a tirá-la de West Side Story. Frances estava escalada e começaria os ensaios. Miles não permitiu e obrigou-a a sair do show. A atriz segurou as pontas até não dar mais. Bette Davis foi outra mulher que envolveu-se com o músico. Ela mostrou a Miles os novos caminhos da música. Na década de sessenta (final) o jazz estava em baixa e Bette apontou os caminhos pra ele. Mexeu em seu figurino, apresentou músicos de rock em ascensão e fez a cabeça no som dele. Miles mudaria pra sempre o seu som. O que fez com que alguns músicos mais puristas reclamassem. E até separassem-se. Contudo, ele seguiu em frente. Entretanto, fracassou em mais uma relação. 
Concomitante, outros demônios insistiam em conviver com o trompetista: drogas. Miles ficava constantemente chapado de cocaína e heroína. E, isso aumentava sua paranoia em relação aos outros. Reclamava e dava esporros em parceiros, mulheres e empresários. Ninguém era de confiança para ele. Ou seja: era um ciclo. Drogas, paranoia, brigas, dores físicas, drogas de novo, paranoia maior, brigas, etc... Até ele cair. E ele caiu feio. Ficou sem tocar muito tempo. Perdeu embocadura, ritmo, dinheiro e tudo mais.

Vale destacar que Miles não foi um virtuoso musical. Haviam gênios no jazz que eram verdadeiros "Mozarts" do improviso. Só que poucos eram COOLS como Miles. Ele tocava de forma singular... Melancolia na medida certa, dramático sem ser piegas, visceral como poucos. Virou quase um pop star. Começou a andar com John Lennon, Hendrix, Sly Stone, Clapton. O físico do músico era algo marcante. Quando não estava tocando ele estava boxeando. Miles praticava boxe nas horas vagas. Queria deixar o corpo em movimento. E achava que o boxe tinha a mesma "vibe" do jazz. Ritmo e improviso. 
Ao contrário de seus contemporâneos ele nunca negou o futuro. Jamais reclamou em seguir em frente. Desde que ele pudesse botar seu trompete e tocar. Misturou-se com Quincy Jones (de quem tinha ciúmes...rs), Santana (um verdadeiro fã dele), Sly Stone e Prince. Reza a lenda que foi Sly Stone quem disse a ele que ganhava muito dinheiro tocando uma hora, uma hora e meia pra brancos em shows de rock. Miles pirou!!!! 
Passou a fazê-lo. Frequentou festivais hippies clássicos nos anos setenta e oitenta. Foi pra Televisão fazer Montreaux e participar de programas de talk-show e entretenimento. Daí por diante entrou no mainstream até se aposentar. Gravou muitos discos e conseguiu reaver seu dinheiro. Até morrer em 1991 depois de um AVC e uma parada cardio-respiratória. Falecia a lenda COOL do jazz. 

Se fosse para indicar aqui discos fundamentais deixaria aqui sem ordem: "Kind of Blue" (1959), "Miles Ahead" (1957), "Quiet Nights" com Gil Evans (1963), "Bitches Brew" (1970) com um capa (abaixo) absolutamente genial! 


O músico ganhou OITO Grammy Awars, condecorado na França com a Legião de Honra, estrela na calçada da fama, Hall of Fame e Walk Of Fame em St Louis. Sem contar estátuas suas em inúmeros lugares (uma improvável na Polônia) e uma platina quádrupla pela RIAA por seu "Kind Of Blue". Yeah!


CLIC.